hoje - abandono
Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar
Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar
Levaram-te a meio da noite
A treva tudo cobria
Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar
Tão longe que o meu lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar
Soraya Barroso
hoje - foi deus
Não sei, não sabe ninguém
Por que canto o fado
Neste tom magoado
De dor e de pranto
E neste tormento
Todo o sofrimento
Eu sinto que a alma
Cá dentro se acalma
Nos versos que canto
Foi Deus
Que deu luz aos olhos
Perfumou as rosas
Deu oiro ao sol
E prata ao luar
Foi Deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar
Se canto
Não sei o que canto
Misto de ventura
Saudade, ternura
E talvez amor
Mas sei que cantando
Sinto o mesmo quando
Se tem um desgosto
E o pranto no rosto
Nos deixa melhor
Foi Deus
Que deu voz ao vento
Luz ao firmamento
E deu o azul
Ã?s ondas do mar
Foi Deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar
E pôs as estrelas no céu
E pôs as estrelas no céu
Quem fez o espaço sem fim
Deu luto às andorinhas
Ai e deu-me esta voz a mim
Fez poeta o rouxinol
Pôs no campo o alecrim
Deu as flores à primavera
Ai e deu-me esta voz a mim
Soraya Barroso
hoje - gaivota
Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de Lisboa
No desenho que fizesse,
Nesse céu onde o olhar
Ã? uma asa que não voa,
Esmorece e cai no mar
Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração
Se um português marinheiro,
Dos sete mares andarilho,
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse,
Se um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse
Que perfeito coração
Morreria no meu peito,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração
Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração
Soraya Barroso
hoje - grito
Silêncio!
Do silêncio faço um grito
E o corpo todo me dói
Deixai-me chorar um pouco
De sombra a sombra
Há um Céu... tão recolhido...
De sombra a sombra
Já lhe perdi o sentido
Ao céu!
Aqui me falta a luz
Aqui me falta uma estrela
Chora-se mais
Quando se vive atrás dela
E eu,
A quem o sol esqueceu
Sou a que o mundo perdeu
Só choro agora
Que quem morre já não chora
Solidão!
Que nem mesmo essa é inteira...
Há sempre uma companheira
Uma profunda amargura
Ai, solidão
Quem fora escorpião
Ai! solidão
E se mordera a cabeça!
Adeus
Já fui para além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada à parede
Adeus,
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai, como dói
A solidão quase loucura
Adeus
Já fui para além da vida
Do que já fui tenho sede
Sou sombra triste
Encostada à parede
Adeus,
Vida que tanto duras
Vem morte que tanto tardas
Ai, como dói
A solidão quase loucura
Soraya Barroso
hoje - medo
Quem dorme à noite comigo
Ã? meu segredo,
Mas se insistirem, lhes digo,
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo
E cedo porque me embala
Num vai-vem de solidão,
Ã? com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão
Gritar quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim
Gostava até de matar-me,
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim
Soraya Barroso
hoje - nome de rua
Deste-me um nome de rua
Duma rua de Lisboa
Muito mais nome de rua,
Do que nome de pessoa
Um desse nomes de rua
Que são nomes de canoa
Nome de rua quieta
Onde à noite ninguém passa
Onde o ciúme é uma seta
Onde o amor é uma taça
Nome de rua secreta
Onde à noite ninguém passa
Onde a sombra do poeta
De repente, nos abraça!
Com um pouco de amargura,
Com muito da Madragoa
Com a ruga de quem procura
E o riso de quem perdoa
Nome de rua quieta
Onde à noite ninguém passa
Onde o ciúme é uma seta
Onde o amor é uma taça
Nome de rua secreta
Onde à noite ninguém passa
Onde a sombra do poeta
De repente, nos abraça!
Soraya Barroso